quarta-feira, 23 de março de 2011

Pequenas estórias

Locais de viagem são antes de tudo templos da efemeridade, do ir e vir sem aparente motivação , sem possibilidades de descoberta. Estórias de vida que se cruzam em um instante e depois esvanecem, não são mais. O breve instante onde minha energia vital cruza a de outro e depois vem o nada , não somos mais, não somos mais reais um para o outro. Ás vezes fica um cheiro, um contato, um abraço , um beijo. Na maioria das vezes fica o nada , o espaço vazio, a ausência. Mas as vezes, tudo pode ganhar um contorno único e um momento perdido , transforma-se numa estória.
Cheguei meio perdida no aeroporto de Porto Alegre . Estava chegando de uma cidade próxima e teria que pegar um vôo na sequência. Não conhecia esse aeroporto ,nem mesmo a cidade, estava voltando para casa ,havia a sensação de transição e a expectativa para chegar logo . Entrei na fila meio sem saber se era a certa para o chek-in , perguntei a uma outra senhora se aquela era a companhia certa. A senhora confirmou e nos calamos. Ninguem reparou em ninguem e continuamos em silêncio.
Vozes de outras pessoas começaram a fazer sentido naquela fila interminável e foi possível perceber as estórias ao redor . Percebi o grupo de enologos. Havia um rapaz e uma moça, possivelmente namorados e um terceiro homem. Falavam alegremente sobre vinhos e degustação. Pareceu que a moça iria fazer uma viagem para fora do país, algo haver com vinhos. Portavam taças elegantes de vinho e bebericavam sem muita preocupação.Pensei em futilidades e que aquele grupo nao me interessava muito. Talvez não sentisse sinceridade nas pessoas, nas falas , nas situações. Alguma coisa soava forçada, sem alegria verdadeira. Essas são percepções tão subjetivas que podem estar corretas ou absolutamente falsas . De qualquer forma aquele grupo me cansava.
Para me distrais teço algum comentário sobre a demora na fila e uma senhora elegante me responde. Havia fragilidade na sua pessoa. Olho uma segunda vez para ela. Bonita, com um olhar doce, inteligente. Vestia-se com simplicidade , mas com elegância. Começamos a conversar sobre banalidades, para onde vou , onde moro, etc. Pergunto para onde ela irá viajar , mas ela responde que é sua filha que esta viajando . Reparo na moça a minha frente. Jovem, com a cara meio emburrada, ou pelo menos me pareceu naquele momento. A mãe me conta meio em segredo , que a filha está embarcando para o Rio de janeiro e que depois irá para Paris. Ela fará Doutorado e ficará fora por quatro anos. Percebo , então, a tensão do momento, as vozes embargadas, a cara emburrada. Fico junto da mãe sem fazer comentários , apenas absorvendo o momento. É raro presenciar situações como essa , um Amor que parte e não temos palavras para dizer adeus, não temos o que dizer porque tudo se transforma em nada. Existe a saudade eminente, a separaçao, a distância .Parece um fardo pesado de carregar , de manter.
As duas parecem presentir que a relação em si jamais será a mesma, quando se reencontrarem os olhares serão diferentes, haverá uma muralha entre elas. Uma muralha de momentos não compartilhados, de sonhos não vivenciados juntos, de outras pessoas, de amores , de amizades. Terão segredos não confessados ou escolherão o que contar uma a outra. Não será mais a convivência que construirá o relacionamento , mas a versão dos fatos que cada uma escolherá para contar, ou partilhar.
Serão sempre mãe e filha , mas a relação em si, naquele exato momento , passava por mais uma transformação , dentre tantas que já haviam acontecido e que viriam a acontecer . Os relacionamentos , assim, como as pessoas, transformam-se ao longo do tempo, não são imutáveis ou congelados em fotografias, em situações . Os papéis vão mudando e cada um vai descobrindo o seu novo lugar , a sua nova perspectiva. Algumas vezes eles não sobrevivem as mudanças e morrem. Parecia não ser o caso que observava naquele momento. Havia aquela liga que mantém as pessoas juntas, havia Amor, cuidado, respeito, havia emoção no ar, era quase possível tocar os sentimentos .
Mudar sempre leva a algum sofrimento, pois é o momento da escolha , de dizer qual caminho quero para mim. È o momento de se assumir, de correr riscos. Não culpar os outros pelos nossos erros . È o momento precioso de crescer , de amadurecer, me lembra um pouco os amanheceres. O sol chegando devagarinho em meio a escuridão, iluminando , aquecendo .
Duas mulheres paradas em uma fila de aeroporto esperando o momento de seguirem seus caminhos tudo encharcado nesse setimento doloroso que se chama separação. Hoje estou aqui e amanhã não mais.Quase pude sentir um cordão umbilical imaginário sendo cortado. As duas sangrando, lutando para não sentir a dor latente, a dor presente. Com certeza vão sobreviver - pensei, mas que doí , doí.
A moça do chek-in falou próximo e as duas se foram , com um suave adeus e meus pensamentos retornaram a realidade , a ansia da viagem, a expectativa do retorno. No íntimo desejei boa sorte as duas.
E essa é a minha opnião feminina.

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